Nutrição e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - DPOC (Pulmonary disease chronic obstructive; Malnutrition; Nutrition therapy)

Nutrição e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - DPOC
Nutrition and Chronic Obstructive Pulmonary Disease - DPOC

Palavras-chave: Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica; desnutrição; terapia nutricional.
Keywords: Pulmonary disease chronic obstructive; Malnutrition; Nutrition therapy




resumo

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) caracteriza-se por limitação ao fluxo aéreo que não é totalmente reversível, sendo geralmente progressiva e associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas ou gases nocivos. O objetivo deste artigo é apresentar uma breve revisão da literatura sobre a terapia nutricional instituída na DPOC, através de levantamento bibliográfico de artigos publicados nos últimos anos. A desnutrição está associada ao mau prognóstico da doença devido a uma maior predisposição a infecções e à diminuição da força dos músculos expiratórios, tolerância ao exercício e qualidade de vida. A terapêutica nutricional na DPOC é iniciada com a avaliação nutricional do paciente para identificação do risco nutricional e do nível de atendimento a ser estabelecido. A terapia nutricional individualizada é muito importante no tratamento de pacientes com DPOC, mostrando-se fundamental na evolução do quadro e na melhoria da qualidade de vida.

abstract

The chronic obstructive pulmonary disease (DPOC) is characterized for limitation to the aerial flow that is not total reversible, being generally gradual and associate to abnormal an inflammatory reply of the lungs the harmful particles or gases. The objective of this article is to present one brief revision of literature on the instituted nutrition therapy in the DPOC, through bibliographical article survey published in the last years. Malnutrition is associated with a poor prognosis for patients with chronic obstructive pulmonary disease, since it predisposes such patients to infections, as well as reducing respiratory muscle force, exercise tolerance and quality of life. The nutrition therapy in the DPOC is initiated after the evaluation of the nutritional state of the patient, which identifies nutritional risk, thereby allowing the proper level of treatment to be established. In the treatment of patients with DPOC, individualized nutrition therapy is extremely important and has been shown to be fundamental to improving quality of life.


introdução

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) está entre as primeiras causas de morte no mundo. Atualmente, seu impacto na saúde tem mobilizado sociedades nacionais e internacionais, de doenças respiratórias, no desenvolvimento de diretrizes para verificar o diagnóstico, fatores de risco, monitorização e tratamento dessa doença (PIERSON, 2001). A prevalência, a morbidade e a mortalidade apresentam grande variação entre os países, porém, em todos aqueles onde os dados estão disponíveis, a DPOC é um significativo problema de saúde pública, tanto em homens quanto em mulheres (PAUWELS et al., 2001).
De acordo com dados do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), verificados em consulta realizada em 24/12/2006, o número de óbitos por DPOC, no Brasil, no ano de 2002 foi 34.857, constituindo-se a sexta maior causa de mortes. É a quarta causa de mortes nos EUA (atrás das doenças cardíacas, do câncer e da doença cerebrovascular). Em 1990, a DPOC estava classificada como a 12° doença em termos de impacto global, estima-se que em 2020 ela venha ocupar a 5° posição (GOLD, 2001).

A DPOC é um processo caracterizado pela presença de bronquite crônica, enfisema, ou ambos, levando ao desenvolvimento de obstrução de vias aéreas (MAHAN; ARLIN, 2005; VASCONCELOS et al, 2002). Costuma ser diagnosticada ao redor da 5ª ou 6ª década de vida, mas pode iniciar-se muito mais cedo. Alguns fatores precoces, como os pré--natais (diminuição do fator α1 antitripsina) e o risco ocupacional (exposição a substâncias presentes no ar), constituem fatores que aumentam os riscos com o hábito de fumar.
Estudos demonstram que uma das características importantes da DPOC é sua associação com o estado nutricional, que pode incluir desnutrição energética e protéica (DEP) preexistentes ou desenvolvidas no progresso da doença (CUPPARI, 2005). A perda de peso em pacientes com DPOC é comum, ocorrendo em 35 a 60% dos casos com grau moderado ou grave da enfermidade (CONGLETON, 1999). Um estado nutricional comprometido pode interferir diretamente no progresso da doença e pode ser aquilatada pela sua associação com a morbidade e mortalidade (FERREIRA et al, 2002; FOLEY; ZUWALLACK, 2001; WAITZBERG; VIANNA; MAIA, 2006).

A desnutrição é observada frequentemente nos pacientes com DPOC, sendo mais grave em enfisematosos, comprometendo o comando ventilatório, a musculatura respiratória e os mecanismos de defesa, aumentando o índice de morbimortalidade (WAITZBERG; VIANNA; MAIA, 2006). Observa-se uma prevalência de desnutrição de 22% a 24% em pacientes ambulatoriais e entre 34% e 50% em pacientes hospitalizados com DPOC (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA, 2004).
As consequências clínicas das alterações morfológicas e funcionais, musculares e pulmonares da desnutrição em pacientes portadores de DPOC são: Diminuição do desempenho respiratório ao esforço, a superveniência de insuficiência respiratória aguda e a dificuldade de interromper o uso de ventilação artificial, além de maior suscetibilidade a infecções pulmonares.

A piora progressiva do estado nutricional apóia-se em mecanismos múltiplos e não completamente conhecidos e associa-se claramente ao pior prognóstico (SCHOLS; MOSTERT; SOETERS, 1993). É difícil dizer, no entanto, se a desnutrição é a causa da pior evolução dos pacientes ou se ela simplesmente é um reflexo de outros mecanismos de consupção, próprios da enfermidade. Da mesma forma, os pacientes portadores de DPOC que respondem positivamente a uma intervenção nutricional têm melhor prognóstico do que aqueles que não respondem, provavelmente porque apresentam características mais favoráveis.
O artigo tem como objetivo revisar a conduta nutricional na DPOC, visto que a desnutrição é um achado frequente interferindo na evolução e prognóstico da doença. Como metodologia foi realizado um levantamento bibliográfico de artigos científicos utilizando o banco de dados LILACS e MEDLINE e de textos importantes em bibliotecas nacionais indexados nas áreas de nutrição e pneumologia.


Terapia nutricional

O tratamento da DPOC inclui uma série de medidas, que vão desde as de caráter profilático até as destinadas à correção das alterações provocadas pela doença. Um programa terapêutico abrangente pode aliviar os sintomas, diminuir a frequência das internações hospitalares, evitar a morte prematura e permitir aos pacientes uma vida mais ativa e satisfatória.
A terapia nutricional na DPOC é muito importante devido ao seu grande impacto sobre a morbimortalidade da doença. Dados da literatura mostram que a desnutrição está associada a um elevado índice de mortalidade por DPOC, sendo o mesmo de 33% após o início do emagrecimento, chegando a 51% após cinco anos (VIANNA; MAIA; WAITZBERG, 2000). Um programa de reabilitação formal do paciente com DPOC empregando uma abordagem de equipe apresenta um resultado bastante eficiente (MATTHAY; ARROLIGA, 1997). Esse programa deve alcançar os objetivos listados a seguir no Quadro 1.

Quadro 1 - Objetivos da terapia nutricional na DPOC

• Fornecer uma alimentação que promova a manutenção da força, massa e função muscular respiratória, a fim de otimizar o estado de desempenho global do paciente e satisfazer as demandas das atividades diárias;
• Manter uma reserva adequada de massa corporal magra e tecido adiposo, tendo em vista que pacientes com DPOC apresentam mudanças na composição corporal manifestada pela perda de peso, e, principalmente, perda de massa muscular;
• Corrigir o desequilíbrio hídrico, comum em pacientes com DPOC;
• Controlar as interações entre drogas e nutrientes que interferem negativamente tanto no consumo de alimentos quanto na absorção dos nutrientes;
• Promover uma melhoria na qualidade de vida do paciente.

Fonte: J Bras Pneumol. 2006;32(5):461-7

Para que os objetivos listados no Quadro 1 sejam alcançados, esse programa, também deve prever os itens considerados a seguir.

Avaliação Nutricional

A avaliação nutricional é o primeiro passo para identificação e tratamento das alterações metabólicas e orgânicas, ocorridas em pacientes com DPOC, que dependem da alimentação ou que podem ser atenuadas pelo tratamento dietoterápico adequado.
Ainda não existe método de avaliação nutricional considerado “padrão ouro”, pois todos apresentam limitações e podem sofrer influência de fatores independentes do estado nutricional. Portanto, o diagnóstico nutricional do paciente com DPOC, deve ser baseado em técnicas padrões de avaliação nutricional, envolvendo história clínica e dietética, exame clínico-nutricional, métodos antropométricos e bioquímicos, considerando-se as vantagens, desvantagens e indicações de cada método.


Conduta nutricional

Em termos quantitativos e qualitativos, uma nutrição adequada é de fundamental importância no tratamento da DPOC. Tão logo diagnosticada a doença deve-se iniciar uma intervenção nutricional adequada a cada paciente, minimizando, assim os problemas que possam advir com as alterações do estado nutricional.
Estudos têm sugerido que a necessidade pode ser estimada utilizando-se a equação de Harris - Benedict, que leva em conta, para a quantificação do gasto basal, o sexo, o peso e a altura do paciente. O gasto basal é, então, multiplicado por um “fator de estresse’’. De acordo com Harmon e Pingleton, o fator de estresse representa um acréscimo de calorias da ordem de 29% a 54%, nos pacientes com DPOC em uso de prótese respiratória. Segundo Deitel e col., deve-se fornecer 25 a 35 kcal/kg/dia durante a fase catabólica e 40 a 45 kcal/kg/dia na fase de anabolismo.

As pesquisas realizadas até o momento não definiram ainda precisamente as proporções ideais dos macronutrientes a serem oferecidos sob a forma de proteínas, carboidratos e gorduras. Segundo Waitzberg (2006), recomenda-se: De 1 a 1,5g/kg/dia de proteínas, que representa 20% do gasto metabólico total; de 50 a 60% de carboidratos e 30 a 50% de lipídios do total das calorias calculadas para o paciente. A seguir encontra-se resumido no Quadro 2, a Orientação Dietoterápica para pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.

Novas terapias ergogênicas no tratamento da doença pulmonar obstrutiva crônica

A indicação de suplementação de substâncias ergogênicas para pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica baseia-se no fato de que estas drogas podem evitar, ou minimizar, o catabolismo e/ou estimular a síntese protéica, diminuindo a depleção de massa muscular e aumentando a capacidade de exercício (SCHOLS; MOSTERT; SOETERS, 1993).
Dentre as substâncias ergogênicas utilizadas, tem-se o conhecimento disponível acerca da utilização de esteróides anabolizantes, creatina, L-carnitina, aminoácidos de cadeia ramificada e hormônio de crescimento em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica.
Estudos mostram que a vantagem do uso dessas substâncias parece residir no aumento da massa magra e/ou na indução de modificações bioenergéticas (WAITZBERG;VIANNA; MAIA, 2006). Nesse contexto, a maior experiência acumulada é com os esteróides anabolizantes. Entretanto, os benefícios clínicos em relação à melhora da capacidade de exercício e força muscular, bem como os efeitos na morbimortalidade, não foram, até a presente data, consistentemente demonstrados.
Considera-se que, com a devida cautela, a suplementação ergogênica pode vir a se constituir numa ferramenta adjuvante para o tratamento de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica avançada, especialmente naqueles com depleção muscular e/ou fraqueza periférica.

Conclusão

Apesar de muito estudada, a relação entre Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica e variáveis nutricionais, necessita de maiores esclarecimentos, porque não sabemos ainda quais as proporções ideais dos nutrientes que de fato atuam como agentes protetores contra a gênese da DPOC.
Dietas ricas em CH (carboidrato) aumentam o volume minuto, a produção de CO2, o consumo de O2, o QR (quociente respiratório), quando comparadas com dietas ricas em gorduras. Além do mais, a dieta rica em gordura aumenta o tempo de esvaziamento gástrico, favorece a distensão abdominal, com efeitos também deletérios para a função pulmonar (SCHOLS; SLANGEN; VOLOVIS, 1998; SILVA; PIRES; COSTA, 2003).

A atenção nutricional constante é parte importante no tratamento dessa população, uma vez que, dentro de um trabalho multidisciplinar de reabilitação, a suplementação nutricional, adequadamente usada, no momento certo, pode auxiliar a reversão da perda ponderal e a preservar a capacidade funcional pulmonar.
No entanto, os benefícios da intervenção nutricional adequada nestes pacientes, já estão bem estabelecidos na literatura mundial. Sabe-se que a terapia nutricional pode reverter efeitos deletérios da DPOC sobre o estado geral do paciente, favorecer a terapêutica anti-insuficiência respiratória e melhorar a qualidade de vida dos pacientes tratados.

referências

CONGLETON, J. The Pulmonary Cachexia Syndrome: aspects of energy balance. Proc Nutr Soc, 58: 321-8, 1999
CUPPARI, L. Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar. Nutrição Clínica no Adulto. São Paulo: Manole,2ª edição, UNIFESP, 2005
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Recebido: 15/08/2007 - Aprovado: 20/04/2008




Autores

Dra Sandra Mara Bastos Lima

Nutricionista do Centro de Referência de Fibrose Cística, Hospital Especializado Otávio Mangabeira, Especialista em Nutrição Clínica e Terapia Nutricional.


Dra Teresa Isabel da Silva Barbosa

Nutricionista do Centro de Referência de Fibrose Cística, Hospital Especializado Otávio Mangabeira, Especialista em Nutrição Clínica e Terapia Nutricional.


Márcia Cristina Ferreira Santos

Acadêmica do curso de Nutrição da UNEB – Universidade do Estado da Bahia.


Prof. Dra Vera Ferreira Andrade de Almeida

Nutricionista, Ex-coordenadora do Curso de Nutrição da UNEB, Prof.(a) da área de Nutrição Clínica da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e Especialista em Metodologia do Ensino Superior.


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